202502.28
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A ação renovatória nas locações comerciais

Para os dirigentes empresariais, compreender esses mecanismos é essencial para assegurar os direitos e planejar estratégias de ocupação comercial em longo prazo

Os princípios da autonomia da vontade e o da obrigatoriedade dos contratos (pacta sunt servanda) são fundamentos essenciais nas relações comerciais. Entretanto, quando se trata de locação comercial, a legislação brasileira traz importantes limites a essa autonomia, em especial para garantir a continuidade das atividades empresariais.

Nesse contexto, destaca-se o direito à renovatória prevista na Lei nº 8.245/91 (Lei do Inquilinato), que protege os interesses do locatário. A norma, em seu artigo 51, estabelece que a locação poderá ser renovada caso sejam cumulativamente atendidas as três condições: (1) o contrato deve ter sido formalizado por escrito e conter prazo determinado.

Cumpridos esses requisitos, o locatário tem direito à renovação do contrato pelo mesmo prazo inicialmente pactuado. Por exemplo, se o contrato inicial tinha duração de cinco anos, o novo contrato também terá vigência de cinco anos.

Não surpreende, portanto, que a proteção conferida pela ação renovatória tenha natureza de ordem pública. Isso significa que o direito à renovação prevalece sobre a autonomia contratual das partes, impedindo que qualquer cláusula contratual afaste tal prerrogativa. O artigo 45 da referida lei é categórico ao reforçar essa premissa.

Dessa forma, qualquer tentativa de limitar ou excluir o direito do locatário à renovação contratual será considerada nula. Isso solidifica a racionalidade do legislador de proteger a estabilidade das relações comerciais e a continuidade das atividades empresariais.

A doutrina destaca a importância do caráter cogente das normas sobre a ação renovatória, enfatizando a vedação expressa que a lei confere quanto à exclusão dos direitos do locatário, criando um obstáculo à interpretação contratual contrária aos objetivos da lei.

Deste modo, em verdade, a ratio ao direito à renovação busca evitar o enriquecimento sem causa por parte do locador, garantindo que este não se beneficie do ponto comercial desenvolvido pelo locatário, o que também se alinha à função social do contrato, promovendo o bem comum e o desenvolvimento econômico.

Os tribunais brasileiros têm reafirmado o caráter imperativo das normas da Lei do Inquilinato. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) destaca a nulidade de cláusulas que visem afastar o direito à renovação, conforme determina o artigo 45 (processo nº 0004809-86.2014.8.26.0246, relatora Maria Cristina de Almeida Bacarim, 29ª Câmara de Direito Privado, decisão publicada em 28/08/2017).

Em outro caso, o TJPR reformou sentença para reconhecer a nulidade de uma cláusula que permitia ao locador a retomada unilateral do imóvel, reforçando que tal previsão contraria a função social do contrato e os objetivos da legislação locatícia (processo nº 00057872420228160129, relator Francisco Carlos Jorge, 17ª Câmara Cível, decisão publicada em 16/10/2024).

Se procedente a ação renovatória, decidirá o juiz pelo valor do aluguel novo a ser praticado à relação. Na hipótese desse valor ser superior ao que era pago, caberá ao locatário pagar a diferença pelos aluguéis vencidos desde o fim do contrato anterior.

No entanto, ainda persistia a controvérsia quanto ao termo inicial dos juros sobre as diferenças desses aluguéis.

Assim, em recente manifestação, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do REsp 2125836/MG, determinou que os juros moratórios devem incidir a partir da intimação do locatário na fase de execução, e não desde a data da publicação da sentença.

O tribunal argumenta que, enquanto a decisão judicial sobre o valor do aluguel não transita em julgado, ainda há possibilidade de modificação do montante devido em sede recursal e não seria razoável imputar mora ao locatário antes de uma definição final.

Além disso, ponderou-se que, se os juros fossem exigidos desde a prolação da sentença, o locador não teria o estímulo necessário para apresentar de forma rápida os cálculos do valor que entende ser devido, prolatando deliberadamente o curso da ação.

Pode-se interpretar que a decisão do STJ reflete um aspecto comportamental relevante, na medida em que indivíduos, especialmente empresários, pautam suas decisões com base em incentivos econômicos e na maximização do bem-estar.

A ação renovatória no contexto da Lei do Inquilinato reflete a busca por estabilidade e segurança jurídica. Ao limitar a autonomia contratual para proteger o locatário, a legislação promove o desenvolvimento econômico e social, garantindo a continuidade das atividades empresariais.

Com efeito, a decisão do STJ busca reforçar a segurança jurídica para as locações comerciais, buscando maior previsibilidade às disputas e permitindo que o locatário avalie, também pelo viés econômico, os efeitos e consequências do ingresso da ação e de sua procedência.

Para os dirigentes empresariais, compreender esses mecanismos é essencial para assegurar os direitos e planejar estratégias de ocupação comercial em longo prazo.

Por: Aron Fraiz.

Fonte: https://valor.globo.com/legislacao/coluna/a-acao-renovatoria-nas-locacoes-comerciais.ghtml