STJ condena KPMG a pagar indenização milionária a investidor
Decisão da 3ª Turma beneficia holding familiar que investiu em CDB do Banco BVA
A empresa de auditoria contábil KPMG e um de seus sócios foram condenados no Superior Tribunal de Justiça (STJ) a pagar uma indenização milionária a um investidor. A decisão é inédita por responsabilizar uma auditoria externa por ter avalizado “sem ressalvas” as demonstrações financeiras de um banco, prejudicando terceiros.
Ao somar o total investido, a atualização monetária e os honorários de sucumbência – subtraindo o que foi recebido do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) -, ambos deverão pagar mais de R$ 10 milhões a uma holding familiar do setor agropecuário. Isso porque, com base na análise da KPMG, ela teria comprado R$ 3,5 milhões em títulos de CDB do Banco BVA. Meses depois, a instituição financeira sofreu intervenção do Banco Central.
A decisão da 3ª Turma, por unanimidade, foi no sentido de manter o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) de que a auditoria é responsável pelo mau investimento (Resp nº 1931678). A Súmula nº 7 da própria Corte a impede de reanalisar provas, mas o ministro Villas Bôas Cueva, ao acompanhar o voto da relatora, Nancy Andrighi, destacou o trabalho do TJSP. “Foi exemplar e deixou claro que cabe responsabilidade por negligência e imperícia dos auditores.”
De acordo com Cueva, este talvez seja o primeiro julgado que trata diretamente da questão de um investidor de um banco auditado por profissional de auditoria. “Se todos sabiam ou deveriam saber dessa dificuldade [financeira do banco] por que o parecer da auditoria não deixava transparecer nada disso?”, disse o ministro ao manter a decisão de 64 páginas do TJSP.
“A auditoria busca uma segurança razoável, não absoluta”
Segundo Elisa Figueiredo, sócia do escritório FF Advogados, que desenvolveu a tese vencedora junto com o colega Francisco Petros, em 2012, o Banco Central chegou à conclusão de que fraudes nos balanços mostravam que o banco seria saudável sem ser, inclusive citando atitudes do sócio da KPMG. “Ao mesmo tempo, o Ministério Público de São Paulo entrou com uma ação civil pública contra a KPMG e ajuizamos a ação de indenização decorrente de ato ilícito pela responsabilidade da auditoria e seu sócio perante investidores do BVA”, diz.
A ação civil pública, de acordo com o promotor de Justiça Joel Bortolon Junior, encontra-se em fase de realização de perícia, que ainda não foi feita. “Essa decisão do STJ ainda não veio aos autos [do processo], mas certamente beneficia a tese da responsabilidade da KPMG pelo prejuízo causado pelo Banco BVA”, afirma. A Justiça decretou a falência do banco em 2014.
Para Elisa, embora a KPMG alegue no processo que não é garantidora, tem a responsabilidade de garantir que as demonstrações financeiras das auditadas são fidedignas. “O sócio da KPMG firmou acordo com a CVM [Comissão de valores Mobiliários], ficando dois anos afastado das suas atividades, o que seria uma confissão pelas negligências e omissões em relação aos anos de auditoria no BVA”, diz ela.
Em 2015, para extinguir o Processo Administrativo Sancionador nº RJ 2013/10172, a CVM firmou acordo com a KPMG e seu sócio. Foram pagos por ambos R$ 650 mil e o executivo se comprometeu a deixar de exercer, pelo prazo de dois anos, a função de responsável técnico da KPMG Auditores Independentes em auditorias de companhias abertas e entidades integrantes do mercado de valores mobiliários. As sanções que a CVM pode aplicar por infrações como esta estão previstas no artigo 11 da Lei n° 6.385/76, e a dosimetria depende da análise de cada caso concreto.
O Instituto de Auditoria Independente do Brasil (Ibracon) tentou participar do processo no STJ como amicus curiae (interessado), mas não conseguiu. Segundo o diretor técnico da entidade Rogério Mota, são raros os casos de investidor entrar com ação contra auditoria externa, mas há falta de clareza sobre as responsabilidades do auditor.
“O auditor é responsável pela emissão de opinião sobre as demonstrações financeiras e, para a realização desse relatório, tem que seguir as normas exigidas pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC), além das International Standards on Auditing (ISA), que são as normas internacionais de auditoria”, afirma Mota. Mas não é possível, acrescenta, atestar 100% das operações. “Seria impraticável do ponto de vista econômico e de tempo”, destaca. “A auditoria busca uma segurança razoável, não absoluta.”
Esse trabalho, diz ele, ainda é submetido à revisão de pares a cada quatro anos – que é a contratação de outro auditor para inspecionar e emitir relatório que vai para o CFC – e as redes internacionais de auditoria costumam ter programas internos de inspeção. “O auditor é mais auditado do que o auditado.”
O advogado Filippe Vieites, sócio da WFaria Advogados, pondera que o auditor pode ser enganado se a auditada agir com má-fé. Ele também destaca que a KPMG disse que não teve a oportunidade do contraditório nas investigações do Banco Central. “Porém, como meses depois da auditoria o banco entrou em liquidação, pela lógica, é difícil acreditar que o cenário da instituição financeira tenha se alterado tanto, em tão pouco tempo”, afirma ele.
Fonte: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2025/03/05/stj-condena-kpmg-a-pagar-indenizacao-milionaria-a-investidor.ghtml