202503.21
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A importância do apoio técnico para as mediações fundiárias coletivas

No dia 18 de fevereiro de 2025, em sessão plenária do Conselho Nacional de Justiça, foi assinado o acordo de cooperação técnica (ACT) nº 16/2025 pelo presidente do Conselho Nacional de Justiça, Luís Roberto Barroso, pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, e pelo reitor da Universidade Federal do Pará (UFPA), Gilmar Pereira da Silva.

O acordo de cooperação técnica firmado entre o CNJ, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e a UFPA tem como objetivo principal a implementação da Resolução nº 510/2023 do CNJ [1] nos estados da Amazônia Legal. Essa resolução estabelece diretrizes para a realização de visitas técnicas em áreas de conflitos fundiários e institui protocolos para ações judiciais de despejo e reintegração de posse.

A Resolução nº 510/2023 regulamenta a atuação das comissões, que poderá ter seu trabalho aprimorado com o apoio técnico proporcionado pelo acordo, sendo o ACT um mecanismo de concretização de várias diretrizes estabelecidas na própria resolução.

O artigo 1º, § 4º, inciso IV, dispõe sobre a necessidade de as Comissões Regionais interagir permanentemente com as universidades e o artigo 2º, § 3º, estabelece que a Comissão Regional poderá contar com equipe multidisciplinar, sendo possível a cooperação interinstitucional com outras entidades.

Nesse sentido, a iniciativa busca proporcionar suporte técnico e institucional às Comissões de Soluções Fundiárias dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais (TRFs e TRTs), fornecendo capacitação, diretrizes metodológicas e apoio especializado na condução de mediações complexas. O acordo viabiliza o aprimoramento das práticas de diálogo interinstitucional e participativo, essenciais para a construção de soluções pacíficas e sustentáveis em disputas envolvendo terras rurais e urbanas.

O apoio técnico previsto no ACT permitirá às Comissões de Soluções Fundiárias atuar com maior eficiência na prevenção e resolução de conflitos, promovendo a regularização fundiária, a segurança jurídica e a proteção dos direitos das comunidades envolvidas. Além disso, a colaboração entre os órgãos signatários possibilita o desenvolvimento de estratégias inovadoras para reduzir a judicialização de litígios fundiários, garantindo maior celeridade e efetividade na mediação desses casos.

O acordo prevê o apoio técnico-científico para as Comissões Regionais de Soluções Fundiárias, com o intuito de melhorar a mediação coletiva de conflitos fundiários. Isso inclui a realização de diagnósticos, a sistematização de demandas e a criação de indicadores para monitorar a eficácia das políticas de mediação.

O instrumento em questão tem como objetivo central fortalecer a governança fundiária e promover a pacificação social, por meio da implementação e disseminação de metodologias eficazes de mediação coletiva de conflitos fundiários. A proposta visa não apenas aprimorar os mecanismos já existentes, mas também ampliar e consolidar a atuação das Comissões de Soluções Fundiárias, tanto em nível regional quanto nacional, garantindo que essas instâncias disponham dos recursos e do suporte técnico indispensáveis para lidar com disputas fundiárias de alta complexidade.

O foco do instrumento está direcionado, sobretudo, para questões ambientais, climáticas e territoriais, que frequentemente envolvem múltiplos atores, como comunidades tradicionais, pequenos agricultores, grandes proprietários, órgãos ambientais e empresas do setor produtivo. Nesse contexto, torna-se essencial estruturar processos de mediação que considerem a diversidade de interesses em jogo, assegurando que as negociações ocorram de maneira justa, equilibrada e orientada para soluções de longo prazo.

Além disso, o instrumento pretende fortalecer as capacidades institucionais das Comissões de Soluções Fundiárias, garantindo que mediadores e demais agentes envolvidos disponham de ferramentas adequadas para conduzir mediações coletivas com eficiência e efetividade. A iniciativa assume especial importância na região amazônica, onde os conflitos fundiários são historicamente intensos e muitas vezes ligados a dinâmicas de desmatamento, mudanças climáticas e pressão sobre territórios indígenas e áreas de conservação.

Por meio da assistência técnica às Comissões de Soluções Fundiárias, as equipes multiprofissionais poderão fornecer instrumentos cartográficos, georreferenciais e registrais que possam servir de apoio para limitar as pretensões e identificação das sobreposições de interesses.

A UFPA, por meio de sua Clínica Multivercidades, desempenhará o papel de realização de diagnósticos preliminares e na articulação de cooperação entre as universidades da Amazônia Legal, fornecendo subsídios técnicos qualificados para as Comissões e sendo responsável por capacitar outros núcleos técnicos de universidades federais para atuação e diagnóstico de áreas próximas ao conflito. A clínica já possui expertise em promover atividades práticas, pesquisas e formação continuada de melhoria de políticas públicas de ordenamento territorial na Amazônia Legal, direito à moradia e às cidades justiça socioambiental, em conjunto com as instituições populações beneficiárias.

O acordo tem abrangência nos nove estados da Amazônia Legal (Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Maranhão, Mato Grosso, Rondônia, Roraima e Tocantins), onde os conflitos fundiários são intensos e estão frequentemente associados a questões ambientais, climáticas e de violência.

O público-alvo direto são os tribunais e instituições de ensino superior da região, mas os benefícios indiretos alcançam populações vulneráveis, como comunidades tradicionais, indígenas e ribeirinhas, que sofrem com conflitos territoriais e a falta de acesso à justiça.

A concretização desse acordo demonstra um grande avanço na qualidade técnica para a realização das mediações coletivas fundiárias, tendo em vista que seu objetivo é melhorar no acesso às informações para o tratamento de conflitos fundiários coletivos, especialmente em casos complexos. A mediação coletiva é vista como uma estratégia essencial para resolver conflitos de forma consensual, promovendo o diálogo entre as partes envolvidas e evitando a judicialização desnecessária.

Esse instrumento normativo demonstra a importância de sistematizar a demanda por meio da mediação coletiva com a criação de indicadores para monitorar a política permanente de mediação de conflitos fundiários e consolidar fluxos e indicadores para a implementação de políticas de acesso à justiça na Amazônia Legal, com foco em questões fundiárias, ambientais e climáticas.

A mediação de conflitos coletivos agrários e urbanos exige uma abordagem multidisciplinar, que alia conhecimento jurídico, técnico e social para a construção de soluções eficazes e duradouras. A assistência técnica especializada desempenha um papel fundamental nesse processo, oferecendo suporte para a delimitação da área em disputa, obtenção de informações qualificadas e aplicação de ferramentas da mediação. Esses elementos são essenciais para garantir a condução eficiente do procedimento e para assegurar que as partes envolvidas tenham um entendimento claro da realidade do conflito e das possíveis alternativas de resolução, permitindo-se identificar, com a espacialização detalhada, os limites da disputa e os diferentes interesses possessórios em jogo.

A primeira etapa fundamental da mediação coletiva agrária e urbana consiste na delimitação da área sob conflito e na identificação dos interesses possessórios. Esse mapeamento possibilita compreender quais grupos estão envolvidos, quais territórios são reivindicados e quais são as sobreposições de direitos. Por meio da assistência técnica, é possível utilizar ferramentas cartográficas, registros fundiários e levantamentos socioeconômicos para estabelecer os limites da área em disputa e determinar os vínculos históricos e sociais das comunidades com o território.

A definição espacial clara da área em conflito evita distorções, amplia a transparência no processo e reduz o risco de decisões equivocadas. Além disso, permite que o mediador tenha uma visão ampla das dinâmicas territoriais e das condições específicas de cada parte envolvida, facilitando a criação de soluções adequadas e equitativas.

Mediação como pilar da governança fundiária

Outro aspecto essencial da assistência técnica é a coleta e análise de informações qualificadas que subsidiam a interpretação jurídica do conflito. Os conflitos agrários e urbanos muitas vezes envolvem questões fundiárias complexas, sobreposições de direitos e divergências quanto à posse e propriedade da terra. Para que o procedimento de mediação seja bem fundamentado, é indispensável a obtenção de documentos como: registros cartoriais e fundiários, que demonstram a cadeia dominial da propriedade; laudos técnicos e relatórios ambientais, que indicam a vocação da terra e eventuais restrições legais; histórico de ocupação e relação social com a terra, essencial para compreender os vínculos históricos das comunidades com a área em disputa; legislação aplicável, incluindo normas de regularização fundiária e políticas públicas voltadas à solução dos conflitos, entre outros.

O acesso a esses dados permite ao mediador compreender a complexidade das demandas e dos direitos envolvidos, garantindo que a mediação seja conduzida com base em elementos concretos e alinhada com a realidade do conflito.

No mesmo sentido, a identificação dos interesses possessórios é fundamental para compreender as motivações e as necessidades de cada grupo envolvido, facilitando a busca por soluções que atendam a todos e com a possibilidade de fornecimento de informações qualificadas sobre o histórico do conflito, as legislações aplicáveis e os aspectos socioeconômicos da região. Essas informações subsidiam a interpretação jurídica do conflito e permitem que os mediadores e as partes envolvidas tomem decisões informadas e conscientes. Além de que a coleta de dados e a produção de laudos técnicos imparciais contribuem para a transparência e a credibilidade do processo de mediação.

Por fim, a assistência técnica também é crucial para a aplicação de ferramentas da mediação, que ajudam a guiar as partes na construção de acordos sustentáveis. Duas das técnicas mais relevantes nesse contexto são o teste de realidade e a geração de opções.

O teste de realidade consiste em fazer com que as partes avaliem os impactos práticos das suas decisões e expectativas. Muitas vezes, os envolvidos nos conflitos possuem percepções distorcidas sobre seus direitos ou sobre as consequências de determinadas escolhas. A assistência técnica contribui com dados objetivos que ajudam a demonstrar os riscos de um litígio prolongado e os benefícios da solução consensual, proporcionando uma visão mais pragmática da disputa.

A geração de opções, por sua vez, busca ampliar o leque de alternativas viáveis para a solução do conflito, incentivando as partes a explorarem possibilidades além do simples “ganha-perde”. A assistência técnica é essencial nesse momento, pois fornece informações sobre regularização fundiária, compensações territoriais, reassentamentos e políticas públicas disponíveis, permitindo que as soluções construídas sejam inovadoras e viáveis.

O acordo de cooperação técnica representa um marco na articulação entre o Poder Judiciário e demais instituições, reforçando o compromisso com a pacificação social e o fortalecimento da justiça multiportas na solução de conflitos coletivos agrários e urbanos. Dessa forma, ao oferecer suporte técnico e metodológico para a realização de mediações coletivas eficazes, o instrumento contribui diretamente para a redução da judicialização dos conflitos, a prevenção de disputas violentas e a construção de soluções sustentáveis e pacíficas, consolidando a mediação como um pilar essencial da governança fundiária na Amazônia e em outras regiões do país.

Por: Agenor de Andrade.

Fonte: https://www.conjur.com.br/2025-mar-12/a-importancia-do-apoio-tecnico-para-as-mediacoes-fundiarias-coletivas/