O Parecer Normativo da RFB sobre o conceito de insumos para PIS/Cofins
Em fevereiro de 2018, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça julgou, sob o regime de Recursos Repetitivos, o REsp nº 1.221.170 (“Caso Anhambi”). O Acórdão, publicado em abril do mesmo ano, apresenta a tese jurídica da Corte sobre o conceito de insumo para fins de apuração de créditos de PIS e Cofins no sistema não-cumulativo das contribuições.
Inicialmente, a Corte reconhece a ilegalidade das Instruções Normativas RFB nº’s 247/2002 e 404/2004, no ponto em que restringiram indevidamente a definição de insumos, por assimilação dos critérios próprios ao IPI.
Em seguida, consoante Voto da Ministra Regina Helena Costa (acolhido, ao final, pelo Relator Napoleão Nunes Maia Filho), assentou-se que “o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, vale dizer, considerando-se a imprescindibilidade ou ainda a importância de determinado item, bem ou serviço para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte”.
Em setembro de 2018, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) editou a Nota SEI nº 63/2018, visando a orientar o órgão internamente quanto à dispensa de contestação e recursos nos processos judiciais que versem sobre a tese firmada no REsp nº 1.221.170, consoante o disposto no art. 19, IV, da Lei n° 10.522/2002.
Por fim, como mais um expediente da Fazenda Nacional e do Fisco Federal no intuito de alinhamento da atuação administrativa ao precedente judicial, em 18.12.2018, foi publicado o Parecer Normativo Cosit nº 5, de 17.12.2018.
O Parecer se propõe a apresentar as principais repercussões, no âmbito da Receita Federal, decorrentes do julgamento do Recurso Especial nº 1.221.170/PR, considerando que, após a edição da já mencionada Nota SEI nº 63/2018, o Acórdão do STJ se torna vinculante para o órgão fazendário.
A Cosit afirma ser necessária a elaboração dessa orientação uma vez que “a aplicação concreta dos critérios definidos pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça demanda um processo de análise que muitas vezes pode ser complexo e em alguns casos pode gerar conclusões divergentes”. Em seguida, observa que “as diversas áreas da Secretaria da Receita Federal do Brasil analisam regularmente a subsunção de milhares de itens ao conceito de insumos da legislação da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins.”
Apesar de o objetivo do Parecer ser conferir maior segurança jurídica às atividades fiscalizatórias, bem como uniformizar procedimentos e diretrizes entre as unidades e agentes que integram a Receita Federal, há alguns pontos questionáveis no documento, que merecem ressalvas e críticas. Os principais são os seguintes:
1) Restrição interpretativa do termo “atividade econômica desempenhada pelo contribuinte”:
Consta na ementa do Acórdão do REsp nº 1.221.170 (assim como em outros trechos relevantes para compreensão do julgado) que os critérios da relevância e da essencialidade devem ser analisados considerando “a imprescindibilidade ou a importância de terminado item -bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte”.
A despeito de a terminologia utilizada na decisão não destoar dos seus fundamentos, a Cosit afirma que a expressão acima destacada – atividade econômica desempenhada pelo contribuinte – deveria ser interpretada de maneira mais restritiva, compreendendo apenas o processo de produção de bens ou de prestação de serviços desenvolvidos pela pessoa jurídica.
2) Restringir a aceitação de um dispêndio como insumo às hipóteses em que haja um “esforço bem sucedido”:
A Cosit sustenta que somente são considerados insumos geradores de créditos os gastos que estão inseridos em um processo do qual efetivamente resulte bem destinado à venda ou serviço disponibilizado ou prestado a terceiros (esforço bem-sucedido). Por exclusão, conclui “não haver insumos permissivos de creditamento em atividades que não geram tais resultados, como em pesquisas, projetos abandonados, projetos infrutíferos, etc.”
A posição é altamente criticável, considerando que há inúmeras situações envolvendo processos produtivos e atividades empresariais nas quais há possibilidade, em tese, de frustração de expectativas (risco inerente ao negócio), mas cujas circunstâncias permitem que se vislumbre, claramente, a existência de insumos, inclusive nos moldes delineados pelo REsp nº 1.221.170.
A Cosit desconsidera que o critério correto para orientar a análise é o objetivo para o qual os dispêndios são incorridos (bem ou serviço que se espera obter ao final de um complexo produtivo), e não o sucesso alcançado, já que esse último elemento é incerto.
Como exemplo, nas atividades de pesquisa mineral (das quais pode advir um resultado esperado ou não), o CARF já vinha reconhecendo reiteradamente o direito ao creditamento das contribuições, com base no critério da essencialidade[1] (v. Acórdãos nº’s 3403 003.492, 3402002.669 e 3403003.378).
É interessante notar, quanto a esse aspecto, que o Parecer afirma expressamente se tratar de “um ponto não abordado pelos Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça” mas que estaria presente na legislação das contribuições. Ou seja, admite-se que se trata de uma diretriz que não emana do precedente judicial.
Por outro lado, de maneira elogiável, o Parecer também evidencia repercussões benéficas do precedente judicial, tais como:
1) Reconhecer que a regra de creditamento de insumos do PIS e da Cofins não-cumulativos não está necessariamente vinculada a conceitos contábeis (tais como custos, despesas, imobilizado, intangível, etc.).
Até então, as fiscalizações da Receita Federal, de um modo geral, entendiam que era indevido o creditamento, sobre qualquer hipótese e modalidade, em relação a gastos que, contabilmente, estão sujeitos à integração a alguma conta do ativo que gera encargos de exaustão.
Exemplo conhecido de hipótese que se enquadrava em tal restrição é a dos ativos biológicos, nos quais os dispêndios para formação de determinados produtos agrícolas são contabilizados, submetendo-se posteriormente ao reconhecimento da realização por exaustão (embora, em alguns casos, entenda-se que seja aplicável a depreciação: v. Acórdão 1401001.523 do CARF sobre lavoura de cana).
Em resumo, o Fisco reconhecia o crédito ou na modalidade de insumos ou, alternativamente, de ativo imobilizado, pelos meios próprios de apuração. No segundo caso, exclusivamente quando o bem for sujeito à depreciação.
O Parecer supera essa dicotomia reconhecendo que os dispêndios integrados a bens sujeitos a encargos de exaustão, quando atenderem aos critérios do REsp nº 1.221.170 para qualificação como insumo, poderão ser objeto de crédito nessa modalidade (excluindo, obviamente, a possibilidade de creditamento concomitante sobre os encargos de exaustão correlatos).
De acordo com a Cosit, “se o dispêndio efetuado pela pessoa jurídica não se enquadra em nenhuma outra modalidade específica de apuração de créditos da não cumulatividade das contribuições, ele permitirá o creditamento caso se enquadre na definição de insumos e não haja qualquer vedação legal, independentemente das regras contábeis aplicáveis ao dispêndio.”
2) Reconhecer que os denominados “insumos dos insumos” (ou insumos para emprego na obtenção de novos insumos) também permitem a apropriação de créditos.
Grande exemplo da indevida restrição do creditamento nesses moldes remete aos gastos incorridos nas fases agrícolas por agroindústrias. Nas fiscalizações envolvendo PIS e Cofins, a Receita Federal, historicamente, subdividia as atividades desse tipo de pessoa jurídica em duas fases: uma agrícola (envolvendo a preparação, plantio, cultivo e colheita de produto rural de origem vegetal) e outra de efetiva industrialização do produto rural por ela obtido, ou também adquirido de terceiros.
Por conseguinte, o Fisco glosava da base de créditos os valores relativos à primeira fase, alegando que a produção rural constitui um processo produtivo prévio, que não estaria voltado à obtenção do produto a ser comercializado com terceiros, mas sim para consumo em processo industrial da própria empresa (ou seja: para obtenção de insumo da própria agroindústria).
Aparentemente, o Parecer da Cosit supera essa linha de raciocínio.
3) Reafirmar a aceitação da condição de insumo de um bem e serviço, pelo critério da relevância, em virtude de “imposição legal” do seu emprego/uso:
No Acórdão do REsp nº 1.221.170 e no voto que prevaleceu no julgamento, quando se delimita o conceito de relevância para fins de classificação de item como insumo, admite-se aqueles cuja finalidade, embora não indispensável à elaboração do próprio produto ou à prestação do serviço, integre o processo de produção por imposição legal, citando-se como exemplo o equipamento de proteção individual – EPI.
O Parecer da Cosit reafirma a racional da imposição legal e cita, como exemplo, as seguintes situações que nele se enquadrariam: a) no caso de indústrias, os testes de qualidade de produtos produzidos exigidos pela legislação; b) tratamento de efluentes do processo produtivo exigido pela legislação c) no caso de produtores rurais, as vacinas aplicadas em seus rebanhos exigidas pela legislação.
4) Pontuar que o julgado do STJ afasta expressamente e por completo qualquer necessidade de contato físico, desgaste ou alteração química do insumo com o bem produzido para que se permita o creditamento (tal qual preconizavam as Instruções Normativas RFB nº’s 247/2002 e 404/2004).
Há, ainda, diversos detalhes presentes no Parecer Normativo da Cosit, recomendando-se que o pronunciamento seja levado em conta nos procedimentos analíticos e de tomada de decisões pelas empresas que buscarem se adequar aos novos parâmetros jurisprudenciais (e, agora, de orientação administrativa).
Não se descarta, porém, que sejam questionados, na seara administrativa ou judicial, os critérios do Parecer que extrapolem os limites e os fundamentos da tese firmada pelo STJ no REsp nº 1.221.170, haja vista que, em última análise, esse é o precedente que deve vincular a atuação do Fisco Federal (RFB) e da Fazenda Nacional (PGFN).
[1] O item 8.2 do Parecer, reiterando a suposta exigência de “esforço bem-sucedido”, na contramão da jurisprudência do CARF, afirma que “não são considerados insumos para fins de apuração de créditos das contribuições os dispêndios da pessoa jurídica com pesquisa e prospecção de minas, jazidas, poços, etc., de recursos minerais ou energéticos que não chegam efetivamente a produzir bens destinados à venda ou insumos para a produção de tais bens.”
Fonte: http://williamfreire.com.br/periodicos/diario-tributario/o-parecer-normativo-da-rfb-sobre-o-conceito-de-insumos-para-piscofins/, por João Paulo Santarosa de Araujo Ayres