201910.27
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A redução do intervalo intrajornada e a reforma trabalhista

A Lei 13.467/2017, conhecida como a Reforma Trabalhista, trouxe importantes mudanças às regras sobre o intervalo intrajornada, dentre elas, a possibilidade de que o intervalo seja reduzido apenas mediante autorização em norma coletiva. As novas regras ainda trazem insegurança aos empregadores, contudo.

Recorda-se que a CLT determina que empregados que trabalhem jornadas superiores a seis horas usufruam de um intervalo intrajornada de, no mínimo, uma hora.

Antes da Reforma Trabalhista, a lei já permitia que este período fosse reduzido mediante prévia autorização do antigo Ministério do Trabalho. Para que a permissão fosse concedida, era necessário que a empresa cumprisse integralmente as exigências concernentes à organização de refeitórios; que os empregados não estivessem sob regime de trabalho prorrogado a horas suplementares, e que norma coletiva também autorizasse a redução (artigo 71, §3º, da CLT).

Entretanto, a autorização para redução de intervalos por meio de simples negociação coletiva não é inédita no Brasil. O antigo Ministério do Trabalho chegou a editar, em 23 de março de 2007, a Portaria nº 42 que permitiu a diminuição do intervalo mediante simples previsão em instrumento coletivo, sem a necessidade de autorização ministerial. Tal Portaria, entretanto, gerou muitas discussões e vigorou apenas até 19 de maio de 2010, quando foi revogada pela Portaria de número 1.095.

Com efeito, os Tribunais Trabalhistas sempre tiveram forte resistência à redução de intervalos mediante simples negociação coletiva. Mesmo durante o interregno em que vigorou a Portaria 42/2007, entendia-se (como ainda se entende) ilícita a redução de intervalos sem autorização ministerial. Tal entendimento foi formalizado na OJ 342, posteriormente convertida no item II, da Súmula 437, do TST, ainda vigente, com a seguinte redação:

“É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva.”

Muitos empregadores, de boa fé e alastrados na Portaria 42 em vigor, chegaram a implementar reduções de intervalo baseadas tão-somente em instrumentos coletivos, sem buscar a prévia autorização do MTb. Entretanto, não foram raros os casos em que tais normas foram, posteriormente, declaradas nulas pela Justiça do Trabalho, com condenações exorbitantes às empresas. A situação era de extrema insegurança jurídica.

Agora, a discussão volta à tona a partir da entrada em vigor da Reforma Trabalhista, que incluiu novas previsões na CLT a respeito da redução de intervalos. A primeira delas – o artigo 611-A, III – dispõe que a convenção e o acordo coletivo que dispuserem sobre intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas, têm prevalência sobre a lei. A segunda nova previsão – o parágrafo único do artigo 611-A – dispõe que as “regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo.”

Assim, volta a ser aparentemente permitida – desta vez por lei – a adoção de um procedimento muito mais simples pelas empresas que desejem reduzir o intervalo intrajornada, mediante simples negociação coletiva. E a alteração é muito bem vinda.

Sob o ponto de vista das empresas, porque pode auxiliá-las a otimizar seus turnos de trabalho e reduzir os seus horários de funcionamento e correspondentes custos. Sob a perspectiva de empregados, porque permite que permaneçam menos tempo no local de trabalho e antecipem os seus horários de saída.

Não bastasse, do ponto de vista fisiológico, não se pode presumir que uma hora cheia de intervalo seja sempre necessária para o adequado descanso e alimentação do trabalhador. Tal aspecto dependerá da realidade e da organização de cada local de trabalho – a natureza da atividade desenvolvida, os horários de trabalho, a localização dos refeitórios, etc. Nesse passo, caberá ao sindicato profissional, partícipe necessário do acordo ou convenção coletiva que dispuser sobre o tema, zelar para que estes aspectos sejam equalizados.

Na prática, a redução de intervalos tem sido objeto comum de negociações coletivas desde a entrada em vigor da Reforma Trabalhista. É o se verifica de pesquisa realizada pelo DIESEE, com base em dados do Sistema Mediador no primeiro semestre de 2018, que demonstram que este foi o tema da Reforma Trabalhista mais negociado no referido período.

Entretanto, como “gato escaldado tem medo de água fria”, muitos empregadores ainda resistem à redução de intervalos, com receio de que sejam, novamente, surpreendidos com condenações.

Ainda se aguarda a análise das novas regras de redução de intervalos pelos Tribunais Trabalhistas em casos concretos.

Julgados posteriores à entrada em vigor Reforma Trabalhista ainda mantém a aplicação da Súmula 437, II, do TST, para contratos de trabalho vigentes antes de 11 de novembro de 2017, e o tema deve voltar a ser enfrentado pelo STF no julgamento do Agravo em Recurso Extraordinário com Agravo nº 1.121.633. Recorda-se, também, que a Suprema Corte recentemente determinou a suspensão de todos os processos pendentes que tratem da validade de norma coletiva de trabalho que limita ou restringe direito trabalhista não assegurado constitucionalmente.

Ainda não se sabe, contudo, qual posição será adotada pelos Tribunais em relação a reduções de intervalo realizadas já na vigência da Reforma Trabalhista. Espera-se que haja uma mudança de posicionamento, de forma a se fazer valer a autonomia negocial dos sujeitos da relação empregatícia.

Relevante notar que a permissão à definição de regras de intervalo por meio de normas coletivas, garantindo-se padrões mínimas, não é exclusividade brasileira. Na Europa, a Diretiva 2003/88/CE, traz em seu artigo 4º a exigência de que Estados Membros garantam intervalos de descanso para jornadas superiores a seis horas, mas dispõe que a duração e condições do intervalo poderão ser objeto de negociação coletiva. Apenas a título exemplificativo, na Inglaterra, a legislação exige a concessão de 20 minutos de intervalo para trabalhadores sujeitos a jornadas superiores a 6 horas, mas igualmente dispõe que as condições do intervalo serão definidas por acordo coletivo.

Oportuno, aqui, lembrar das sábias palavras do Ministro Roberto Barroso no julgamento do RE 590.415/SC, no sentido de que: “não deve ser vista com bons olhos a sistemática invalidação dos acordos coletivos de trabalho com base em uma lógica de limitação da autonomia da vontade exclusivamente aplicável às relações individuais de trabalho. Tal ingerência viola os diversos dispositivos constitucionais que prestigiam as negociações coletivas como instrumento de solução de conflitos coletivos, além de recusar aos empregados a possibilidade de participarem da formulação de normas que regulam as suas próprias vidas. Trata-se de postura que, de certa forma, compromete o direito de serem tratados como cidadãos livres e iguais. Além disso, o voluntário cumprimento dos acordos coletivos e, sobretudo, a atuação das partes com lealdade e transparência em sua interpretação e execução são fundamentais para a preservação deum ambiente de confiança essencial ao diálogo e à negociação.”

De fato, se os próprios empregados e empregadores, de boa fé e sob a supervisão do Sindicato profissional, optam pela redução do intervalo intrajornada, com a observância do período mínimo prescrito em lei, não deveria o Judiciário invalidar o ajuste. Que os nossos Tribunais façam, de fato, valer a reforma trabalhista neste aspecto.

Fonte: Jota, de 14/10/2019, por Isabella Renwick Magano